Acompanhar pela primeira vez e compreender uma cerimônia do chá para um ocidental são funções bem difíceis. A bebida que resulta de horas e horas de postura e movimentos harmoniosos e, ao mesmo tempo vigorosos, apenas para beber chá, um ar muito estranho para nós ocidentais. Beber o chá, no entanto, é apenas um dos atos de um intrincado ritual que, acima de tudo, representa uma metáfora do espírito e da identidade cultural de um país que durante séculos carregou o estigma da influência chinesa nas artes e na filosofia.
Por trás do que parece monótono e incompreensível, concentra-se muito mais do que o aspecto puramente cerimonial. Sem contar que, sua origem, o 茶の湯 Chanoyu (literalmente significa “água quente de chá” mas, é comumente usado como “cerimônia do chá”) era um símbolo de poder com marcante sentido político.
Apesar de toda esse ritualismo, o 茶の湯 Chanoyu não é impenetrável à observação ocidental. Mas para isso, é necessário anos ou décadas de dedicação e estudo. Não se trata de um curso que no final dá direito a um diploma e uma festa de formatura.
A compreensão de cada passo dos vários 点前 Temae (em síntese, são os modos de procedimento na cerimônia, os rigorosos movimentos executados pelo anfitrião para preparar e servir o chá) é o caminho para aprender essa arte.
TIPOS DE TEMAE
Há muitos estilos de 点前 Temae (também escrito como 手前), dependendo da ocasião, estação e, outros incontáveis fatores. (a escola Urasenke, quando usa o procedimento de pôr o carvão (Sumitemae) para construir o fogo, é escrito 手前; caso contrário, é escrito 点前).
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茶箱点前 Chabako Temae é chamado assim porque o equipamento é afastado e então substituiu por uma caixa especial conhecida como um 茶箱 Chabako (caixa de chá). O Chabako foi desenvolvido como um equipamento, de modo conveniente para preparar o chá ao ar livre. Há vários estilos de Chabako Temae. O equipamento básico contido no chabako é a 茶碗 Chawan (tigela de chá), o 茶筅 Chasen (batedor de chá, guardado em um recipiente especial), 茶杓 Chashaku (concha de chá), e 茶器 Chaki (utensílios de chá). Um 茶巾 Chakin (pano de linho para limpeza) é guardado em um recipiente especial, como também há um recipiente para pequenos doces. Muitos dos artigos são menores que habitual, para ajustar-se na caixa. Esta cerimônia leva aproximadamente 35 a 40 minutos.
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運び点前 Hakobidemae é chamado assim porque, com exceção da 釜 Kama (chaleira de água quente) e o 風炉 Furo (braseiro), se um 炉 Ro (forno subterrâneo) não está sendo usado, os artigos essenciais para a fabricação do chá, incluindo até mesmo, o 水差し Mizusashi (recipiente de água fresca) é levado no quarto de chá pelo anfitrião, como uma parte do Temae. Em outro Temae, o jarro de água e talvez outros artigos, dependendo do estilo de Temae, é colocado no quarto de chá antes dos convidados entrarem.
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盆手前 Bon Temae ou お盆手前 Obon Temae é, em Omotesenke e Mushanokojisenke, um procedimento simples para fazer o 薄茶 Usucha (chá fraco). São colocadas o Chawan, o Chasen, Chashaku, Chakin e outros utensílios em uma bandeja, a água quente está preparada em chaleira férrea chamado um 鉄瓶 Tetsubin, aquecido em um Furo (braseiro). Este procedimento originou na escola de Urasenke. Normalmente é o primeiro Temae aprendido, e é o mais fácil de executar, requerendo nenhum equipamento muito especializado, nem muito tempo para completar. Em Urasenke, este Temae é conhecido como 盆略点前 Bonryaku Temae.
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No estilo 立礼 Ryûrei, o chá é preparado com o anfitrião sentado a uma mesa especial, e os convidados também estão sentados a mesas. Então, é possível para Temae desse estilo ser administrado quase em qualquer lugar, até mesmo, ao ar livre. O nome recorre à prática do anfitrião de executar o primeira e última 立礼 Ritsurei (reverencia de pé). Em Ryûrei há normalmente um assistente que senta perto do anfitrião e muda o assento do anfitrião conforme. O assistente também serve o chá e doces aos convidados.
O Temae envolve três aspectos: Relacionamento humano (Interação social), conteúdo espiritual (disciplina), significado artístico (estética). Não é um simples conjunto de regras, mas a forma de apreciar o Chanoyu em sua essência.
O Chanoyu já foi definido como “manifestação de uma aventura” ou como “a arte da representação através da expressão corporal”. Afirma-se ainda que o chá torna a pessoa mais bela, pois, além de suas comprovadas qualidades terapêuticas, a simples prática do Temae, estimula a harmonia (和 Wa), o respeito (敬 Kei), a pureza (清 Sei) e a tranqüilidade (寂 Jaku). Adota uma filosofia, cujo exemplo pode ser expresso na frase 一期一会 Ichigo Ichie ou seja, “experiência que nunca terá novamente”. Na verdade, esses são os quatro princípios fixado no século XVI, pelo monge 千利休 Sen No Rikyû. Talvez a maior referencia histórica do Chanoyu.
O cerimonial ou 茶事 Chaji (evento do chá), dependendo de muitos fatores, ocorre da seguinte maneira:
O anfitrião usa um Kimono, enquanto os convidados podem usar Kimono ou uso formal. O convidado se apresenta na hora marcada, entra pelo 玄関 Genkan (portão principal) e aguarda no 待合 Machiai (sala de espera). Na parede, pendura-se o 字句 Jiku (rolo de pintura ou caligrafia), coloca-se uma 煙草盆 Tabakobon (bandeja com apetrechos de fumo) e serve-se água quente. Ele é então conduzido ao 露地 Roji (ar livre) ou 茶庭 Chaniwa (jardim do chá), onde purifica as mãos no 蹲 Tsukubai (pia de pedra) e, em seguida, entra para tomar lugar na cerimônia.
No 茶席 Chaseki (recinto do chá), abre-se a 躙り口 Nijiriguchi (pequena porta corrediça) e sente-se a fragrância do 香 Kô (incenso). Observa-se a caligrafia (書道 Shodô), desenho (墨絵 Sumie) ou um arranjo de flores (活花 Ikebana) exposto no 床の間 Tokonoma ou simplesmente Toko (espaço de visita). Também podem ser exibidos um 盆栽 Bonsai (árvore em miniatura plantado em bandejas) e 置物 Okimono (ornamento).
Dependendo da época do ano, pode ser servido o 点心 Tenshin (refeição matutina dos monges de zen) ou 懐石 Kaiseki (refeição simples), terminando com o 酒 Sake (vinho de arroz). Se nenhuma refeição for servida, o anfitrião servirá o 御菓子 Okashi (pequenos doces). São comidos sobre um papel especial chamado 懐紙 Kaishi, o qual cada convidado leva, freqüentemente em uma carteira decorada ou dentro do 着物 Kimono.
O doce, por exemplo, em geral é servido numa tigela decorada de um lado só. O convidado a recebe com o desenho voltado para si, para ser apreciado. Assim que a recebe, porém, ele deve virar o lado desenhado para fora. É uma forma de mostrar humildade (vendo o lado mais simples da tigela) e de homenagear, com a arte do desenho, a pessoa que está à sua frente. Simples e elementar, depois que se entende a idéia.
Eles voltarão então a sala de espera, até serem chamados novamente pelo anfitrião.
Cada utensílio então é limpo ritualmente na presença dos convidados em uma ordem precisa e usando movimentos prescritos. Os utensílios são acomodados de forma exata, de acordo com o ritual sendo executado. Quando o ritual da limpeza e preparação dos utensílios estiverem completos, o anfitrião colocará uma quantia medida de pó de chá verde na tigela e somará a quantia apropriada de água quente, então baterá usando o Chasen.
A conversação é mantida um tempo mínimo. Os convidados relaxam e desfrutam a atmosfera criada pelos sons da água e o cheiro do incenso e do chá, como da beleza e simplicidade da casa de chá e suas decorações apropriadas de acordo com a época. A tigela é servida então ao convidado de honra, ou pelo anfitrião ou por um assistente. São trocados reverencias entre o anfitrião e convidado de honra. O convidado se curva então ao segundo convidado, e eleva a tigela em um gesto de respeito para o anfitrião. O convidado gira a tigela para evitar beber na sua frente, toma um gole, murmura a frase prescrita, e então toma mais dois ou três goles antes de esfregar a beira com o pano. Girando a tigela a sua posição original, passa ao próximo convidado com uma reverencia. O procedimento é repetido até que todos os convidados bebam o chá da mesma tigela, e a tigela é devolvida ao anfitrião. Em algumas cerimônias, cada convidado beberá de uma tigela individual, mas a ordem de servir e beber são a mesma.
Se o 濃茶 Koicha (chá forte) for servido, o anfitrião preparará o 薄茶 Usucha (chá fraco) então, é servido da mesma maneira. Em algumas cerimônias, porém, somente um tipo é servido. Após todos os convidados terem bebido o chá, o anfitrião limpará os utensílios em preparação para guardá-los. O convidado de honra pedirá ao anfitrião que permita os convidados para examinar alguns dos utensílios, e cada convidado examina e admira cada artigo, inclusive 柄杓 Hishaku (concha de água), o 茶筒 Chadutsu (pote de chá), Chashaku (concha de chá), o Chasen, e, importantemente, o Chawan (tigela de chá). Os artigos são tratados com cuidado extremo e reverencia, pois eles podem ser antiguidades inestimáveis, insubstituíveis, feitos à mão. Os convidados usam freqüentemente um pano de brocado especial para os segurar. O anfitrião guarda os utensílios, e então, os convidados deixam a casa de chá. O anfitrião se curva da porta, e a cerimônia termina.
Na sala de espera ainda pode ser colocado um 色紙 Shikishi (papel quadriculado para escrever poemas), para que um dos presentes ao Chanoyu deixe alguns versos ou desenhos inspirados nesse dia, para honrar o anfitrião.
Uma cerimônia de chá pode durar entre uma hora e quatro a cinco horas, dependendo do tipo de cerimônia, o número de convidados, e os tipos de refeição e chá que forem servidos.
Não se pode esquecer que essa é apenas uma descrição sumária do cerimonial. Cada Chanoyu tem suas regras próprias, dependendo da pompa e do seu objetivo. Existem verdadeiros compêndios para explicar como deve se comportar o anfitrião e os convidados, a partir da maneira como o convite è enviado e respondido. Cada ato tem um significado bem definido.
Duas escolas principais, o 表千家 Omotesenke e 裏千家 Urasenke, evoluíram, cada com seus próprios rituais prescritos. Uma terceira escola, 武者小路千家 Mushanokojisenke, é pouco conhecida fora do Japão. Estas três escolas principais são coletivamente conhecidas como 三千家 Sansenke. Há várias escolas menos conhecidas. Atualmente, a Escola Urasenke é o mais ativa e com maior número de seguidores, particularmente fora do Japão. Dentro de cada escola há filiais, e em cada escola há variações sazonais e temporais no método de preparar e desfrutar o chá, e nos tipos e formas de utensílios usados.
ORIGEM
“Na beira do rio a folha cai na água”
A origem do chá remonta à pré-história. Consta que a planta já existia naturalmente na Birmânia, no Tibet e na China. Sobram lendas a respeito. Uma delas, diz que 2.700 anos antes de Cristo, no início da criação do Céu e da Terra, havia um imperador chinês que se chamava 神農 Shen Nung, um deus que sabia usar o fogo e ensinava medicina. Certo dia, Shen Nung aquecia água à beira de um rio, embaixo de uma árvore, quando uma folha caiu no recipiente. Pouco a pouco ele percebeu que a água exalava um aroma agradável e ficava colorida. Quando experimentou, sentiu o gosto característico, e a partir daí ensinou as pessoas sobre a planta do chá e sua preparação.
Embora a história do chá tenha início em eras muito remotas, sua difusão e consumo propagaram-se mais amplamente na dinastia 唐 Tang (618-907), espalhando-se por todo o território chinês, chegando ao Japão através dos monges japoneses que iam à China estudar o Zen budismo nos mosteiros. Em 760, o escritor 陆羽 Lu Yu escreveu o considerado mais antigo registro sobre o Chadô (caminho do chá), 茶经 Cha Ching (Sutras do Chá), ressaltando o uso correto do chá e sua filosofia, descritos em dez capítulos e divididos em três volumes.
A primeira evidência documentada de chá no Japão, de acordo com o 日本後紀 Nihon Kôki (Crônica posterior ao Japão), a bebida do chá foi apresentado para o Japão no século IX, pelo monge budista 永忠 Eichu, quem tinha voltado para o Japão da China. No Nihon Kôki declara que Eichu, pessoalmente preparou e serviu 煎茶 Sencha (chá verde japonês) para o Imperador 嵯峨 Saga, que estava em uma excursão a 唐崎 Karasaki (atual Prefeitura de Shiga) no ano 815. Por ordem imperial no ano 816, plantações de chá começaram a ser cultivadas na região de 近畿 Kinki no Japão. Porém, o interesse em chá no Japão enfraqueceu depois disto.
Já no século XII, 明菴栄西 Myōan Eisai, um monge da seita budista Zen, introduziu no Japão o estilo de preparação do chá chamado 点茶 Tencha, na qual o 抹茶 Maccha (erva pulverizada) foi colocado em uma tigela, água quente vertida sobre e mexida. Restrito inicialmente aos monges budistas, o hábito de tomar chá foi, em pouco tempo, incorporado pelos nobres, pelos Samurai e chegou às comunidades rurais.
Antes das incursões guerreiras, os Samurai costumavam se reunir para adquirir elevação espiritual. Como não sabiam se sobreviveriam à jornada, procuravam participar da cerimônia como se fosse a última vez. Por isso, ainda hoje, o anfitrião empenha-se ao máximo para oferecer o melhor ao convidado, procurando tornar o mais agradável possível o encontro.
O OURO VERDE DE UJI
A variedade de chá verde mais comumente utilizada na cerimônia é o 抹茶 Maccha, não cultivado no Brasil. A melhor espécie nasce na região de 宇治 UJI, no sul de 京都 Kyoto. A seguir, um resumo do processo de produção e da preparação do Maccha:
O primeiro requisito para se produzir um Maccha de alta qualidade é dispor de um bom 碾茶 Tencha, matéria-prima do chá verde. Cerca de um mês antes da colheita, as plantações são cobertas por esteiras de junco, sobre as quais se joga palha de arroz. O objetivo é cortar 95% da luz do sol, para que as folhas produzam mais clorofila e adquiram sabor encorpado. Logo depois de colhidas, as folhas de chá são cozidas a vapor e espalhadas em salas de secagem. Nessa fase, o chá ainda é chamado de TEencha. Concluídas as várias fases de secagem, as folhas são então moídas em pilões de pedra, manualmente. O pó resultante da moagem é o Maccha.
O Maccha de primeira linha resulta da combinação de uma série de fatores, como clima, controle de qualidade, grau de cozimento, combinações (Blend), velocidade de moagem, etc. Atendidos esses requisitos, obtém-se um produto delicado e caro.
A preparação da infusão obedece a normas restritas. Para começar, um bom chá e uma boa água. A recomendação é que se prepare “com atenção e amor, tentando várias vezes até aprender”. O primeiro apetrecho utilizado é o Chasen (batedor de chá, feito de bambu com aparência de um pincel de barbear). O melhor Chasen é o que se faz na cidade de高山 Takayama, com cerdas flexíveis. A água é fervida numa caldeira, em fogareiro aquecido a carvão.
Em seguida, coloca-se água fervente no Chawan (xícara de chá), para molhar três vezes o Chasen. Nesse ponto, sugere-se que o Chasen seja bem examinado, para que o convidado não beba um pedaço quebrado de bambu. Depois de limpar o Chawan com o Chakin (pano de linho branco) o anfitrião tira o chá do 茶筒 Chadutsu (pote de chá) e o coloca no Chawan, duas medidas de Chashaku (colher de bambu) para cada convidado. Com o Hishaku (concha de bambu com haste comprida), ele tira água quente do 湯冷まし Yuzamashi (utensílio para água quente) e a despeja como se tivesse “embrulhando” o chá, de modo a evitar o contato repentino. Com o Chasen, ele bate rapidamente a mistura, até criar espuma, serve o chá ao convidado.
Para a cerimônia do Usucha (chá fraco), usa-se o chá peneirado. Para o Koicha (chá forte), faz-se à mistura de modo diferente, criando uma pasta.
Segunda a tradição japonesa, para se tornar um verdadeiro mestre no do 茶道 Chadô é necessário que o indivíduo aprenda pelo menos seis elementos, de natureza religiosa, filosófica, ética, artística, ascética e social. Cada um desses elementos contém uma profunda carga de significados que somados, sintetizam o verdadeiro Japão, algo como a “alma japonesa”.