百日の加行も一日の修業も  HYAKUNICHI NO KAGYÔ MO ICHINICHI NO SHÛGYÔ MO

Soke sit

 

百日の加行も一日の修業も

HYAKUNICHI NO KAGYÔ MO ICHINICHI NO SHÛGYÔ MO

(CEM DIAS DE BÊNÇÃOS E UM DIA DE TREINAMENTO)

 

 

Nas linhas seguintes pretendo falar algo sobre o que se supõe ser um momento de inspiração no qual se pode alcançar aquela mutação infinita daquela de que escrevi no texto anterior.

Há algum tempo chegou em minha casa uma carta vinda da América, após as apresentações formais, a carta em questão veio dizer o seguinte:

“Há cerca de dez anos que venho estudar nos Estados Unidos da América, depois de me formar na universidade casei-me felizmente com um americano e decidi que quando morrer os meus ossos serão enterrados aqui. Meu nome é .... e em breve completarei quarenta anos. Atualmente ensino Karatê e Kobudô, estilo Okinawa. Pratico Karatê desde os treze anos e depois de muito esforço consegui o título de instrutor e consegui não parar de praticar com o mesmo entusiasmo do primeiro dia. Recentemente, na televisão e em alguns jornais, dois americanos comentaram que depois de passar dois meses no Dôjô do Mestre Hatsumi, obtiveram uma licença para ensinar. Isso é verdade? A sociedade americana é tremendamente materialista e as artes marciais não são exceção. A maioria das pessoas pensam que aqueles que venceram muitas lutas e mostram seus numerosos troféus são os verdadeiros artistas marciais. Sem dúvida esta é uma das razões pelas quais alguns mestres japoneses, depois de algum tempo, fecharam seus Dôjô, e desiludidos, voltaram ao Japão."

A carta continuava no mesmo tom, perguntando se era mesmo possível conseguir a faixa preta em apenas dois meses. Mas no fundo tudo se resumiu numa pergunta: O que é o Budō autêntico? Respondi da seguinte forma: “Vêm a este Dôjô pessoas de todo o mundo, amantes das artes marciais para treinar e outros que me pedem para posar com eles numa fotografia, como se fosse uma viagem de lazer, a oportunidade também se dá. No caso daqueles que, embora não tenham recebido qualquer instrução quando regressam ao seu país, dizem que foram felicitados por mim ou que receberam este ou aquele Dan, houve até quem assinou o seu próprio diploma e depois, com alguma fotografia, eles anunciaram na imprensa e na televisão. Para mim, a atitude de tal indivíduo é completamente incompreensível.

A autêntica arte marcial inclui um período interrompido, há artistas marciais que, através da prática séria, mesmo quarenta anos depois, não conseguiram alcançar o que procuram, sentindo-se numa situação de estagnação. Como seria de esperar, quem veio aqui apenas para tirar fotos, como se fosse um turista, não pode saber do que estamos falando.

Porém, no passado houve casos de pessoas que, após um único dia de treino, foram obrigadas a enfrentar homens que praticavam artes marciais há anos e anos. Foi uma situação tão crítica que a vitória ou a derrota fizeram a diferença entre a vida e a morte. Com apenas um miserável dia de prática alguém teve a necessidade de matar um verdadeiro mestre. Este é o verdadeiro Budō! Isso é algo que aqueles que vieram ver as coisas com clareza entendem muito bem. O problema não é de tempo, na prática do Budō não há medida, nem deve haver ideias ambíguas que dificultem a sua realização.”

Com esta carta a minha única intenção foi comunicar a esta pessoa que para um verdadeiro artista marcial não basta a prática de um dia ou mil dias, apenas a chegada daquele dia em que, finalmente, encontraremos o que procuramos é importante.

 

Texto extraído e traduzido do livro いま忍者 Ima Ninja (Ninja Moderno) (1981) de Maasaki Hatsumi